Química
11/02/2011
O novo vilão do aquecimento global
Nos últimos 150 anos, a ação do homem vem interferindo significativamente no ciclo natural do nitrogênio. Atividades que poluem rios e mares, o uso indiscriminado de fertilizantes e a queima de combustíveis fósseis são apontados como principais responsáveis pelo aumento acentuado de nitrogênio reativo – termo criado para classificar as várias substâncias químicas em que o nitrogênio está presente. A hipótese de William Zamboni de Mello, professor do Departamento de Geoquímica do Instituto de Química da Universidade Federal Fluminense, é de que o aumento da oferta de compostos nitrogenados aos ecossistemas terrestres e as elevadas descargas de matéria orgânica nitrogenada nos sistemas aquáticos estejam induzindo uma maior produção de óxido nitroso (N2O)."Este gás tem potencial de aquecimento global quase 300 vezes superior ao dióxido de carbono (CO2), que ainda é o principal gás intensificador do efeito estufa", afirma Mello.Com os recursos adquiridos no edital "Apoio ao Estudo de Soluções para Problemas Relativos ao Meio Ambiente", da FAPERJ, Mello estuda e quantifica os fluxos de óxido nitroso em áreas de Mata Atlântica, especificamente no trecho da Serra do Mar, e em algumas lagoas costeiras do Rio de Janeiro. "Em um de nossos estudos, observamos que a supersaturação de óxido nitroso nas águas superficiais da baía de Guanabara, fenômeno que induz a emissão do gás das águas para a atmosfera, foi em média de 33%, atingindo valores de quase 150%, ao passo que a dos oceanos encontra-se em torno de 4%", relata o pesquisador.
Mello explica que, quando há um elevado aporte atmosférico de compostos nitrogenados, os ecossistemas florestados se tornam saturados em nitrogênio. Essa saturação influencia os processos biogeoquímicos do solo, provocando sua acidificação com consequente perda de nutrientes. Favorece também o aumento da taxa de decomposição orgânica, aumentando tanto a produção de CO2 quanto a de óxido nitroso.
Já nos sistemas aquáticos, segundo o pesquisador, o despejo de esgoto não tratado e a lixiviação dos solos, enriquecidos com fertilizantes nitrogenados, são responsáveis por tornar rios e lagoas eutrofizados – fenômeno causado quando o excesso de nutrientes altera o equilíbrio do ecossistema, que adquire coloração turva e deixa a água com níveis baixíssimos de oxigênio. "Alguns trabalhos sugerem que o aumento do aporte de nitrogênio nos sistemas aquáticos pode levar a um maior consumo CO2, mas por outro lado pode promover o aumento da produção de óxido nitroso", relata Mello.
O século da produção de óxido nitroso
O aquecimento global é o aumento da temperatura média dos oceanos e do ar perto da superfície da Terra. Estudiosos apontam que as causas podem ser naturais ou provocadas pelo homem. Sob a responsabilidade humana aponta-se o aumento da emissão de gases que intensificam o efeito estufa – processo que retém parte da radiação solar refletida pela superfície terrestre, o que faz com que o calor fique preso na atmosfera.
Devido ao acentuado crescimento de suas concentrações, o CO2 é apontado como o grande culpado pelo aumento de temperatura observado durante o século XX. Para Mello, contudo, no século XXI pode surgir um novo vilão: óxido nitroso. "Enquanto há uma grande preocupação em diminuir os índices de emissão do CO2, a produção de óxido nitroso não para de aumentar".
O pesquisador ressalta que o óxido nitroso é produzido naturalmente por processos microbiológicos. Porém, sua concentração na atmosfera tem aumentado a uma taxa de 0,25% ao ano. Ele explica que o responsável por este fato é a interferência humana no ciclo natural do nitrogênio, que aumenta o aporte de compostos nitrogenados aos ecossistemas, induzindo maior produção de óxido nitroso.
"A queima de combustíveis fósseis produz alguns compostos nitrogenados, como o óxido nítrico e próprio óxido nitroso. Da mesma forma, a produção das mais de 50 milhões de toneladas de fertilizantes de nitrogênio aumenta cerca de 70% a produção de amônia, que, como outros compostos nitrogenados, também altera o equilíbrio de ecossistemas terrestres e aquáticos", destaca Mello.
De acordo com o pesquisador, o óxido nitroso atua indiretamente no consumo da camada de ozônio, que protege a superfície da Terra de uma maior incidência de radiação UVB. Ele é a principal fonte na estratosfera de óxido nítrico, que é altamente reativo com o ozônio. "Em virtude da redução das emissões dos clorofluorcarbonos (CFCs), substâncias que também contribuem para o consumo da camada de ozônio, a preocupação com a ação do óxido nitroso deve se intensificar no século XXI", diz.
Mello acredita que os resultados dos atuais estudos contribuirão para se chegar a estimativas mais precisas sobre o aumento das emissões de óxido nitroso no perímetro do estado do Rio de Janeiro. "Entender melhor os fatores que induzem a produção de óxido nitroso é o primeiro passo para possibilitar a proposta de futuras soluções", aposta o pesquisador.
Esta notícia foi publicada em 10/02/2011 no sítio Agência Faperj. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.