Disciplina - Química

Química

08/03/2011

Mulheres na Ciência

Imagem de Marie Curie.No Ano Internacional da Química 2011 (AIQ-2011) a participação da mulher na ciência é destaque. Para isso, o AIQ-2011 homenageia a cientista polonesa Marie Curie (1867-1934), que há 100 anos conquistava o Prêmio Nobel da Química. A pesquisadora radicada na França foi a primeira pessoa a ser laureada duas vezes - ela já havia recebido o Prêmio Nobel da Física em 1903.
Em 1897 aos 30 anos de idade, Marie Curie ainda era uma pessoa desconhecida. Polonesa, de família pobre, conseguiu com muitas dificuldades estudar em Paris, onde obteve as licenciaturas em Física (1893) e Matemática (1894). Casou-se no ano seguinte com Pierre Curie, um pesquisador oito anos mais velho do que Marie, experiente, que já tinha publicado importantes trabalhos experimentais (sobre a “piezoeletricidade”, um fenômeno em que cristais submetidos a tensões produzem eletricidade) e teóricos. Maria realizou suas primeiras pesquisas sobre um tema não muito interessante de física aplicada: o estudo do magnetismo de aços industriais. Em 1897, após uma gravidez difícil, nasceu sua primeira filha, Irène. Logo depois Maria resolveu tentar aquilo que nenhuma mulher havia ainda conseguido: um título de doutora em física, pela Sorbonne.
O tema escolhido para o doutoramento foi a estranha radiação emitida pelos compostos de urânio, que Henri Becquerel havia descoberto dois anos antes.
Marie Curie deve ter iniciado o estudo das radiações do urânio sem grandes expectativas. O primeiro tópico que estudou foi a condutividade elétrica do ar produzida por esses raios. Quando se coloca um composto de urânio perto de um objeto eletrizado, ele se descarrega. Em sua pesquisa, Marie Curie fez medidas desse efeito utilizando um instrumento que Pierre Curie havia inventado – um aparelho de medidas elétricas que utilizava um quartzo piezoelétrico.
A pesquisa de Maria e Pierre Curie foi guiada pela hipótese de que a emissão das radiações que estava estudando era uma propriedade atômica, peculiar a certos elementos químicos. Certos elementos emitem, espontaneamente, essas radiações (são radioativos), e essa propriedade não é afetada pelo seu estado físico ou químico. Não se trata de um fenômeno parecido com a fosforescência, porque não é modificado quando se ilumina o objeto ou quando ele é mantido no escuro. Era rejeitada, assim, a hipótese da hiperfosforescência, que Becquerel adotava. Outros elementos não são radioativos e não podem adquirir a capacidade de emitir radiações. Esse era o conceito básico de radioatividade, proposto por Maria e Pierre Curie em meados de 1898. Posteriormente, essa hipótese teve que ser modificada (existe a radioatividade artificial, induzida), mas isso só ocorreu muitos anos depois.
Maria Curie se dedicou à separação dos elementos da pechblenda, utilizando os procedimentos químicos conhecidos e testando a radioatividade de cada substância isolada do mineral. Depois de muitos processos de separação, obteve um material que se comportava como o bismuto, sob o ponto de vista químico, mas que era fortemente radioativo – enquanto o bismuto comum não emitia radiações. Seria preciso aceitar que havia um novo elemento, desconhecido, misturado com o bismuto, ou então que uma mesma substância podia ser radioativa ou inativa, em situações diferentes. Guiados pela hipótese de que a radioatividade é uma propriedade atômica de certos elementos, os Curie estavam convencidos de que havia algo novo misturado ao bismuto. Mas como separá-lo? Como provar que existia ali um novo elemento?
Novos Elementos
Seguiu-se um período de muitas tentativas fracassadas. Maria e Pierre trabalharam juntos, e suas letras se alternam nos cadernos de laboratório onde eram anotadas suas idéias e experimentos. A separação completa do novo elemento não foi conseguida. No entanto, através de sucessivos processos de purificação, foi possível obter um material que ainda se parecia com o bismuto, mas que era 400 vezes mais ativo do que o urânio. Os Curie mantiveram a hipótese de que havia um novo elemento na substância que havia sido separada, e deram-lhe o nome de “polônio”, em homenagem à terra natal de Maria.
Continuando a investigar a pechblenda, com a ajuda de Georges Bémont, o casal Curie descobriu que era possível encontrar mais uma substância fortemente radioativa. Novamente, essa substância parecia difícil de ser isolada. Após uma série de reações químicas, como no caso do polônio, foi possível obter um material fortemente radioativo, mas suas propriedades químicas eram dessa vez iguais às do bário. Como no caso anterior, foi possível aumentar a concentração do material radioativo, através de processos de dissolução e precipitação, obtendo um material 900 vezes mais ativo do que o urânio puro, sem no entanto conseguir uma separação total do bário. Eles supuseram que havia um novo elemento desconhecido misturado ao bário, e deram-lhe o nome de “rádio”.
Para tentar demonstrar a existência dos novos elementos, os Curie imaginaram um teste decisivo: analisar o espectro dos materiais radioativos que haviam obtido. Cada elemento químico, quando vaporizado e percorrido por uma descarga elétrica, emite uma luz cujo espectro luminoso é constituído por certas linhas luminosas coloridas. A expectativa dos Curie era de que o espectro do bismuto radioativo (que supostamente continha polônio) e o do bário radioativo (que supostamente continha rádio) mostrassem linhas espectrais novas, diferentes das dos elementos conhecidos, o que seria uma importante confirmação de suas hipóteses.
No caso do bismuto radioativo, o teste foi um fracasso. Eugène Demarçay, um químico que trabalhava com Curie na Escola, especialista em espectroscopia, fez o teste para eles. Apesar de todos os seus esforços, não conseguiu notar nenhuma raia espectral nova. No entanto, alguns meses depois, fazendo o mesmo teste com o bário radioativo, a expectativa foi confirmada: Demarçay encontrou uma raia luminosa diferente de todas as conhecidas, e que era mais visível no material mais radioativo. Essa era uma forte evidência a favor da existência do rádio, um novo elemento químico. O trabalho em que esses resultados eram apresentados foi lido na Academia de Ciências de Paris um dia depois do Natal: 26 de dezembro de 1898.
Com os resultados inesperados e extremamente importantes obtidos em 1898, estava aberto o caminho para os estudos que o casal Curie realizou nos anos seguintes. A linha fundamental de trabalho passou a ser a de tentar isolar o polônio e o rádio da pechblenda, procurando obter esses elementos em forma pura, para determinar suas propriedades (especialmente o peso atômico). Durante quatro anos, de 1899 a 1902, o trabalho a que eles se dedicaram – realizado em sua maior parte por Maria – foi tratar quimicamente uma tonelada de pechblenda, purificando gradualmente seus materiais radioativos. O polônio, infelizmente, conseguiu resistir a todas as tentativas que fizeram, e não foi isolado por eles. Obtiveram, no entanto, cerca de um décimo de grama de cloreto de rádio quase puro, e conseguiram determinar o peso atômico desse elemento: aproximadamente 225.
Durante esses quatro anos, a teimosia de Maria Curie não lhe permitiu desistir do trabalho, mesmo quando ele parecia não avançar. O esforço físico exigido pelo trabalho era enorme, pois ao invés de utilizar pequenos tubos de ensaio era preciso manipular baldes e caldeirões com cerca de 20 kg de material de cada vez, transportando os recipientes de um lado para o outro, fervendo os líquidos, misturando com outros, borbulhando enormes quantidades do ácido sulfídrico fedorento, etc.
O Fim da Carreira
Paralelamente aos esforços de Maria Curie para separar os novos elementos químicos, Pierre se dedicou a outras pesquisas sobre a radioatividade (especialmente sobre a natureza e os efeitos das radiações). Embora sempre mantivessem uma colaboração ativa, algumas vezes publicaram trabalhos isolados, como em 1903, quando Pierre mediu pela primeira vez, juntamente com André Laborde, o calor emitido espontaneamente pelo rádio – a descoberta fundamental da grande quantidade de “energia atômica” contida na matéria.
Os estudos realizados por Maria e Pierre Curie a partir de 1898 despertaram a atenção do mundo científico para a existência de um novo fenômeno, e levaram muitos pesquisadores a se dedicar ao estudo da radioatividade. Com a descoberta do rádio, os Curie colocaram à disposição dos pesquisadores uma fonte de radiação muito mais intensa do que o urânio e o tório, permitindo novos tipos de estudos – não só físicos, mas também médicos.
O trabalho do casal Curie foi sendo gradualmente reconhecido, e já em 1900 eles eram considerados como os mais importantes pesquisadores nessa área. Em 1903, enfim, Maria Curie defendeu a sua tese de doutoramento em física na Sorbonne, e foi aprovada com distinção e louvor. Em dezembro do mesmo ano, o casal Curie recebeu o reconhecimento internacional pelo seu trabalho, ganhando o prêmio Nobel de física, pela descoberta do polônio e do rádio (na verdade, meio prêmio Nobel, pois a outra metade foi concedida a Becquerel, pela descoberta da radioatividade).
Em 1903 ocorreu, portanto, o coroamento das pesquisas iniciadas em 1898. Pode-se dizer que, após esse período, a contribuição científica de Maria Curie foi pequena – muito menor do que no período já descrito.
Em poucos anos, no entanto, a liderança das pesquisas sobre radioatividade passou a outras mãos. Não foram os Curie que encontraram a explicação correta dos fenômenos radioativos. A partir de 1902, o físico neo-zelandês Ernest Rutherford (1871-1937) e o químico inglês Frederick Soddy (1877-1956), trabalhando no Canadá, propuseram a teoria que aceitamos atualmente: a de que os átomos dos elementos radioativos se desintegram lentamente, emitindo radiações e se transformando em outros elementos químicos. A partir dos trabalhos de Rutherford e Soddy, a pesquisa sobre radioatividade tomou nova direção, e o trabalho pioneiro dos Curie passou a fazer parte do passado.
No período posterior, Maria Curie continuou seu trabalho de pesquisadora, mas sem obter outros resultados espetaculares como os do início de sua carreira. Durante a primeira guerra mundial, dedicou-se a aplicações médicas dos raios X, e depois da guerra empenhou-se no trabalho de organizar seu laboratório, obter verbas, treinar novos pesquisadores, coordenar novas investigações e proporcionar condições de trabalho aos jovens. Depois de muitos problemas de saúde, em grande parte associados à sua exposição à radiação, acabou por falecer em 1934.

Fonte: IFGV Unicamp
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